Teologia

Ceia do Senhor

Os evangelhos colocam na mão de Jesus o que tinha de ser transferido ritual e simbolicamente. Foi na (última) Páscoa e a partir dela que Jesus instituiu a Sua Ceia (vide Mateus 26:26-28; Marcos 14:22-24 e Lucas 22:19-20).

Comentário a 1 Coríntios 11:2-34

O relato mais detalhado da Ceia do Senhor, 1 Coríntios 11:2-34, contribui para a compreensão de conceitos elementares sobre tão importante ordenança. Devemos ler o texto tendo em consideração que:

1 – Não contém ensino normativo sobre a Ceia.

2 – Foi escrito para corrigir a praxis, a partir de princípios contemplados na Ceia–modelo que o Senhor instituíra.

3 – Ainda que corretivo o ensino de Paulo é apresentado pela positiva; ou seja, não proíbe a tomada do pão e do vinho, mas apela à atitude digna. (Não tomar a Ceia não é alternativa para Paulo! Tomar é imperativo e ato de obediência.)

4 – Alerta para as consequências drásticas do tomar a Ceia incorretamente.

O capítulo 11 pode ser dividido em duas secções: os versículos 2 a 16 como sendo a resposta de Paulo à atitude dos homens e mulheres na assembleia – a que designaremos por “atitudes no culto público”; e os versículos 17 a 34 sobre o comportamento geral das pessoas à mesa do Senhor – que definiremos como “comportamentos na Ceia”.

O contexto que dominava o ambiente da tomada da Ceia do Senhor era de festa, denominada “festa do amor”, uma refeição fraternal. No entanto, o amor havia esfriado entre os crentes, porque cada um ficava com o que havia trazido, o que suscitava distinção acentuada entre ricos e pobres. Uns passavam necessidade e outros tinham demais e embriagavam-se (vv. 21 e 22), formando-se até pequenos grupos (vv.18 e 22).
Atitudes no culto público, 2-16

Como introdução à questão do comportamento digno e correto dos crentes na Ceia, o apóstolo apresenta o comportamento das mulheres como sendo incorreto.[1] O lema do texto não é a medida ou o não corte dos cabelos das mulheres mas a atitude santa que se pressupõe a estas para o culto público, que, neste caso implicava uma medida social como testemunho da sua santidade. Aqui é tratado o que nessa igreja e nesse momento importunava a adoração coletiva genuína.

Os crentes deveriam interrelacionar-se num espírito de “submissão” e amor (vv. 17-34), bem como as mulheres com os seus maridos (vv. 2-16), sendo condicionante à adoração que agrada a Deus. Só assim, as mulheres poderiam adorar dignamente e os crentes, homens e mulheres, tomar dignamente a Ceia do Senhor!
Comportamentos na Ceia, 17-34

No tocante aos “preceitos” (v. 2) ou instruções quanto a doutrina, padrões morais e normas de conduta que entregara às igrejas, Paulo elogia-os: “louvo-vos” (v. 2). Para além disso, denuncia a situação de divisão entre eles: “Nisto… não vos louvo” (vv. 17 e 22). A preferência pelas personalidades dos servos de Deus, como Paulo, Apolo e Pedro, a pseudo-espiritualidade “Eu de Cristo” (1:12), e a acentuada discriminação ricos/pobres (v. 21)[2] faziam com que voltassem piores para suas casas (v. 17).
O recebido do Senhor por Paulo (v. 23) é o relato da Ceia, tal como Ele instituíra. O seu significado (vv.23-26) é bem claro: comer o pão e beber o cálice significa proclamar e aceitar os benefícios da morte sacrificial de Cristo (v. 26). A declaração que Paulo faz do cálice e pão como sendo da bênção e comunhão (1 Coríntios 10:16) transporta-nos para o significado primeiro da ceia: o corpo e o sangue do Senhor. No versículo 17 Paulo avança para o que essa tomada também implica: “somos um só pão”. Porquê? Porque “participamos do mesmo pão”.
O apóstolo necessitava denunciar a indignidade[3] com que tomavam a Ceia. Traz-lhes à memória o propósito soberano de Deus, pela morte de Cristo, da criação de um corpo espiritual, a Igreja, e repreende-os exatamente pela forma indigna como o maculavam. Não se pode celebrar com verdade a causa do ato quando se transgride o propósito de sua causa!

Querendo consciencializá-los da solenidade do reconhecimento dos irmãos como o corpo de Cristo traz-lhes à memória os atos do Senhor. O v. 27 funciona como ponte entre o exemplo trazido da primeira Ceia (vide vv. 23-25) e a aplicação espiritual a eles imputada na “festa do amor”. No v. 28 é requerido um exame visando a certificação de cada um estar vivendo e agindo em amor para com os outros (comunhão), autojulgamento a ser feito a fim de evitar a correção divina!

É de suma importância, no v. 27, o significado do termo “indignamente”. O tom doutrinário

não se cinge à qualidade de sermos “indignos” (estado que caraterizava o nosso afastamento de Deus, “curado” mediante a fé no sacrifício de Jesus) mas ao modo de tomarmos “indignamente”.

O termo “culpado” tem uma aplicação jurídica (v. 27). Culpado de derramar o sangue de Cristo, como sendo Seu executor! Tomar indignamente a Ceia torna o seu tomador culpado “legal” da crucificação de Jesus. Ao tal, o Senhor aplicará correção, julgamento (v. 30).

Qualquer coisa que Deus tome para preservar a pureza da Sua mesa faz parte de Sua disciplina paterna amorosa. O fato dos coríntios serem disciplinados, era a expressão da misericórdia divina; pois existe diferença entre correção dos crentes e condenação dos não crentes (vv. 31 e 32).

O enfoque da Ceia não é os benefícios (ou malefícios) que o participante recebe mas o reconhecimento da obra expiadora de Cristo e o assumir do propósito da mesma – a comunhão do corpo (de Cristo) e no corpo (a Igreja)!

Carlos Fontes,
Pastor, Deão Académico do MEIBAD


Bibliografia

THIELMAN, Frank (2007). Teologia do Novo Testamento: uma abordagem canônica e sintética  São Paulo: Shedd Publicações.

TURNER, Donaldo D. Introdução ao Novo Testamento, curso A-III. São Paulo: Instituto Bíblico Brasileiro por Correspondência.

[1] “Observavam os mesmos costumes dos judeus nas sinagogas, de que as mulheres se assentassem à parte, em lugar que os homens não as conseguissem ver… o véu que as mulheres usavam no Oriente era um sinal para todos de que a mulher tinha esposo, pai ou algum parente que era responsável por ela.” TURNER, Donaldo D. Introdução ao Novo Testamento, curso A-III. São Paulo: Instituto Bíblico Brasileiro por Correspondência, p. 49.

[2] “Os membros abastados da igreja de Corinto provavelmente patrocinavam as reuniões de adoração corporativa e ofereciam a refeição aos participantes… podem comer e beber em suas casas, mas a adoração corporativa da igreja não é oportunidade para humilhar os pobres (11.22,34). Fazer isso, ele diz, é “desprezar a igreja de Deus” (11.22)… A ceia do Senhor preconiza a unidade dos crentes que se reúnem em torno da morte sacrificial de Jesus. Usar esse sacramento como ocasião para destacar a superioridade social de alguém sobre outras pessoas é totalmente incoerente com essa questão.” THIELMAN, Frank (2007). Teologia do Novo Testamento: uma abordagem canônica e sintética. São Paulo: Shedd Publicações, pp. 341 e 342.

[3] Quanto à definição de “indigno”, o v. 29 é perentório… : “não discernindo o corpo do Senhor”!

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